Parte 1: Mulheres, mães e plantadoras de maconha

Por Caroline Apple

O Coletivo Mães Independentes, do Recife (PE), é formado por cinco mulheres que viram no cultivo da maconha uma chance de medicar seus filhos de forma independente, segura e econômica. Porém, o caminho não foi fácil.

Segundo Risoneide dos Santos Araújo, uma das integrantes do grupo, o coletivo nasceu das frustrações que viveram e da necessidade de todas de colocar a mão na massa, falar e se ajudar.

“A gente decidiu cultivar. Nos juntamos porque temos as mesmas ideias e os mesmos pensamentos e para lutar pelo HC, para sair do medo da polícia e sermos taxadas de traficantes”, explica.

Em estado de vulnerabilidade social, essas mães venceram e vencem todos os dias barreiras internas e externas. No primeiro momento, a barreira do preconceito foi a primeira que teve que ser derrubada para encarar a maconha como remédio e não como uma “porta de entrada para outras drogas” entre outras opiniões de senso comum que envolvem o tema.

O segundo passo foi encarar a realidade do descaso do governo e a falta de políticas públicas para a população periférica da qual fazem parte, a falta de médicos qualificados para prescrever a Cannabis correta e acompanhar o caso, os valores do medicamento que não cabem no orçamento, o desafio de aprender a cultivar e extrair o óleo, o acesso à cepa certa, a luta jurídica pelo Habeas Corpus para plantio e o combate diário contra o proibicionismo. Isso só para citar alguns dos desafios diários que essas mulheres enfrentam.

O Sechat vai contar em duas partes a história das cinco mulheres que compõem o Coletivo de Mães Independentes.

Confira!

Nunca pensei que plantaria algo na minha vida, muito menos maconha.”

Risoneide e sua família na luta pela Cannabis. Foto: Arquivo Pessoal

Apesar de ser filha de agricultores, seguir, mesmo que minimamente, os passos da mãe e do pai não estava nos planos da assistente admistrativa Risoneide dos Santos Araújo, de 32 anos. Muito menos passava pela cabeça de Risoneide cultivar maconha.

Porém, sua iniciativa partiu da necessidade de sua filha Rayssa Vitória Araújo de Macedo, de seis anos, que tem a rara síndrome de Rett e um quadro de epilepsia de difícil controle, além de ansiedade, insônia e outras condições de saúde desafiadoras.

A Cannabis entrou na vida da família por meio de doação de um medicamento importado que logo de cara os pais de Rayssa sabiam que não poderiam pagar. “O óleo custava cerca de R$ 3.000. Depois recorremos às associações, mas o valor do óleo e da mensalidade como associada ainda pesava demais no nosso orçamento”, explica.

Durante os estudos, Risoneide descobriu também que plantando poderia usar a cepa mais indicada para o caso de sua filha, então veio de decisão de cultivar. “Ganhamos uma muda e tomamos gosto pelo cultivo, principalmente pelo fato de termos certeza do que estávamos dando para nossa filha”, conta.

O ano era 2017 quando a vida da família mudou com o cultivo e o óleo certo para o caso de Rayssa. Então, em 2019, Risoneide começou a receber ajuda de uma rede de apoio de mulheres médicas, advogadas, professoras, mães de pacientes para, enfim, conseguir seu Habeas Corpus e sair da ilegalidade. “Foi um processo de meses. Conseguimos o nosso HC em 3 de abril de 2020 em meu nome do meu marido, pai de Rayssa. Cultivamos cada muda com amor. Nesse tempo de quarentena as pessoas estão sem óleo. Com o cultivo sabemos que não vai faltar”, finaliza.

“Me dá orgulho ser capaz de plantar, colher e extrair o remédio do meu filho”

Elaine o e pequeno João tratado com a maconha que a mãe planta em casa

Preconceito resume o que a auxiliar administrativa Elaine Cristina da Silva, de 37 anos, tinha em relação à maconha. Na cabeça de Elaine “maconheiro não prestava e era tudo drogado”, mas a condição de saúde de seu filho João Pedro da Silva Cavalcanti, de nove anos, reformulou seu olhar por amor.

João nasceu com uma malformação congênita que causa crises convulsivas de difícil controle e atraso no desenvolvimento. Elaine conta que seu filho “vegetava” e chegou a ter 26 crises diárias. Seu pequeno ficou tão debilitado que chegou a usar sonda de alimentação e em seguida uma GTT, uma sonda de gastrostomia, porque, simplesmente, ele esqueceu como deglutir os alimentos. Além disso, o pequeno perdeu 80% do movimento do braço esquerdo. Foi então que a auxiliar administrativa conheceu a Cannabis.

“Uma das mães do coletivo me falou sobre maconha para controle das crises. Então começamos a pesquisar, usamos dois óleos importados, mas só vi resultado no artesanal. Até então, eu não sabia a patologia do Pedro. Só descobri em 2017 que ele tem de fato que era uma hemimegalencefalia [malformação cerebral rara que envolve o crescimento anormalmente maior de um hemisfério cerebral]”, conta.

Então, há quatro anos, Pedro começou a usar a Cannabis e os resultados foram surpreendentes. “Ele começou a responder com olhar quando o chamávamos, conseguimos tirá-lo da GTT, veio o controle do troco, sorrisos, gritos, interação, choro”, relembra.

Diante das melhoras o tratamento teria que continuar. Elaine não viu outra opção a não ser colocar a mão na massa e promover qualidade de vida para o seu filho de forma independente. “Decidi plantar porque não tem melhor coisa do que você poder fazer o remédio do seu filho. Sinto orgulho por ser capaz de plantar, colher e extrair o remédio do meu filho”, diz.

A auxiliar administrativa conta que o HC saiu mais rápido do que ela esperava. O processo começou em outubro de 2019 e então janeiro de 2020 a Justiça concedeu o salvo-conduto.

“Em janeiro recebi a ligação que mudou nossas vidas. Não sou mais traficante, não corro risco de ser presa por plantar maconha para meu filho. Eu não sabia nada de plantar, não tinha nem ideia, mas com a ajuda das meninas do coletivo, aprendi muita coisa. Juntas, trocamos ideias, tiramos dúvidas. O coletivo é minha família, não me vejo sem elas, mulheres fortes, empoderadas, periféricas. Elas são meu socorro, somos uma rede de apoio”, conta.

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