Por Valéria França
Formada em outubro na Câmara dos Deputados Federais, a comissão especial da Cannabis medicinal vem estudando e analisando diferentes formas de comercialização do setor. O objetivo é formular uma regulação adequada ao Brasil, que melhore o acesso dos medicamentos e aqueça a economia.
Durante estes meses, os deputados Eduardo Costa (PTB-PA), Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da comissão, e o relator Luciano Ducci (PSB-PR) fizeram um mergulho no tema. Mas já estão em contagem regressiva. Em abril, precisam entregar uma proposta.
O grupo já organizou uma série de audiências públicas, onde escutaram associações de pacientes, médicos, pesquisadores e empresários. Viajaram ao Uruguai, primeiro país do mundo a liberar o uso medicinal e adulto da Cannabis, e na última quinta (14) e sexta-feira (15) estiveram na Colômbia. “Conseguimos construir a nossa ideia de regulação”, diz o relator Ducci.
“Eu era defensor da plantação (natural) do cânhamo, por exemplo”, diz Costa. “Na Colômbia, percebi que para o óleo ter qualidade é preciso técnicas avançadas de cultivo. Isso inclui uma plantação hidropônica, que controla os nutrientes que as plantas recebem, por exemplo. A Cannabis é altamente sensível. Absorve tudo que vai na água ou na terra, até mesmo metal pesado. O protocolo técnico de plantio tem de ser bem detalhado.”
Abaixo, estão reunidos alguns pontos importantes discutidos durante a viagem dos deputados a capital Bogotá, e que devem ser contemplados na nova regulação. Saiba o que cada deputado pensa sobre o tema:
O que motiva a regulação
Luciano Ducci: as motivações da Colômbia e do Uruguai são diferentes. A Colômbia pretendia regular cultivos ilegais, para combater o narcotráfico enraizado no país. Já o Uruguai, tinha como foco no uso recreativo. O paciente é a motivação do projeto brasileiro. Nosso país se aproxima mais da Europa e de Israel, que investem em pesquisa e no desenvolvimento de novos medicamentos.
Paulo Teixeira: acho que o Uruguai e a Colômbia também pensaram no paciente. O problema é que os dois países não se deram conta que a produção de medicamento é demorada. Por isso, a Colômbia mais tarde teve de regular a distribuição em farmácias de manipulação e o Uruguai, o plantio por associação de pacientes.
Eduardo Costa: depois da visita à Colômbia, mudei muito minha visão sobre o assunto. Tive a oportunidade de conhecer melhor a legislação do país, que é muito robusta. Ela contempla toda a cadeia– desde o cultivo até o produto chegar às mãos do paciente. Prevê todas as etapas com parâmetros específicos. Por exemplo, as autorizações de plantio determinam uma cota anual de produção de Cannabis, que é determinada de acordo com a lista de clientes apresentados. Apesar da Colômbia não permitir o uso adulto, eles autorizam todo indivíduo ter dentro de casa até 20 plantas. O governo elaborou uma legislação robusta, porém não conseguiu implementá-la 100%. Exemplo: a legislação prevê que a Cannabis medicinal seja vendida em farmácias de manipulação, mas até agora nenhuma foi cadastrada.
Uso compassivo
EC: Acho que o uso compassivo tem de respeitar alguns critérios. Precisa haver, na minha opinião, o acompanhamento compulsório de cada caso. Nem todo os tratamentos com Cannabis possuem comprovação científica. Por isso, é necessário acompanhar tantos os resultados positivos ou negativos do uso da Cannabis medicinal. Não queremos criar uma febre, dizendo que ela pode ser utilizada para tudo. É importante ter o controle de quem toma e quais os efeitos positivos e adversos. Isso vai dar condições de mais tarde chegarem a uma dose ideal, de entender melhor quando a interação do CBD e THC é necessária e em que proporções, por exemplo. Esses parâmetros só vamos ter depois, mas não podemos deixar solto.
Experiência medicinal
LD: A Colômbia e o Uruguai não possuem uma experiência medicinal tão boa como a do Brasil. No Uruguai tem apenas um CBD importado da Suíça. Na Colômbia, a americana Clever Leaves só exporta o produto – não produz medicamento.
Nenhuma empresa avança de forma significativa em pesquisa e tecnologia. A Colômbia ainda esbarra na exigência de colocar no mercado apenas medicamentos, que para serem aprovados precisam seguir as regras da indústria farmacêutica. Em outras palavras, as empresas terão de apresentar estudos clínicos antes de começarem a produzir e vender.
Colômbia e Uruguai gostariam de exportar para o Brasil. Estão preocupados com o fato de podermos ser produtores também.
Pretendemos ter uma regulação ampla, que normatize a semente, o plantio e a produção de medicamento para pacientes. Queremos avançar em outras áreas como o uso da Cannabis na veterinária e na indústria em geral (como construção civil e vestuário).
A ideia é transformar o Brasil em uma referência na manipulação da Cannabis. Isso vai depender da vontade, de onde o país quer avançar.
Pesquisa
PT: Tanto a Colômbia quanto o Uruguai autorizaram o plantio para uso na pesquisa científica
Indústria da beleza
PT: Uruguai e Colômbia saíram ofertando uma variedade de produtos cosméticos
Porcentagem de THC
LD: existe a tendência de regularmos o óleo de CBD (produto não psicoativo) com concentração de 0,3% de THC. Os produtos que apresentarem concentração acima serão classificados de psicoativos.
PT: no cultivo colombiano a planta com até 1% é considerado não psicoativo.
EC: na Colômbia funciona bem 1% no canteiro e 0,3% no óleo.
Associações
LD: serão preservadas porque foram pioneiras no trabalho que fizeram nos últimos anos. Atenderam milhares de pessoas. Mas terão de se adaptar às normas de qualidade e segurança.
PT: concordo com Eduardo Ducci.
EC: é uma obrigação preservar as associações. Se quero oferecer um produto com segurança e qualidade preciso seguir critérios técnicos, que devem valer para todos. É importante o médico ter certeza do que o paciente está tomando.
Distribuição pelo SUS
LD e PT: quem vai regulamentar isso é o Ministério da Saúde
EC: de acordo com a constituição, o governo tem a obrigação de cuidar da saúde do cidadão.